Provavelmente poucos homens foram tão versáteis, tão ativos e produtivos , na música, como Heitor Villa-Lobos.Villa-Lobos seguiu simultaneamente carreiras de sucesso como violoncelista, maestro, educador e compositor. Tinha um entusiasmo incomum pela juventude brasileira. Era para a juventude daquela época que ele desejava abrir-lhes o caminho do mundo da arte. Todavia ele aprendera música sozinho.
Villa-Lobos escreveu música durante toda a sua vida, grande parte inspirada na música folclórica brasileira. Ele compunha constantemente, muito rapidamente, e sempre levado pôr um impulso interior.Gostava de compor no meio de uma confusão muito grande.Era normal, sempre em sua volta ouvir-se o rádio ligado, televisão, a vitrola, um piano ou uma conversa muito animada. Ele tomava parte em toda essa atividade, e ao mesmo tempo criava uma composição nova e original. As suas obras são tão numerosas que ele mesmo não tinha idéia de quantas criara. Conhecem-se cerca de mil composições de Villa-Lobos.
Heitor Villa-Lobos nasceu no dia 5 de março de 1887, na Rua Ipiranga, no bairro das Laranjeiras, Rio de Janeiro. Filho de Raul Villa-Lobos , professor, músico amador e funcionário da Biblioteca Nacional, e de Dona Noêmia, prendas domésticas.
Dona Noêmia sempre incentivou os estudos escolares de Heitor e alimentou a esperança de ver o filho formado em medicina. Não lhe agradava a idéia de vê-lo músico. Proibiu o menino de estudar piano, temendo que ele se empolgasse com a música.O próprio violão ele teve que estudar escondido. Só que seu grande sonho de vê-lo formado médico nunca aconteceu. O ambiente musical foi decisivo.
Muito cedo Heitor ou Tuhu, seu apelido familiar, iniciou sua vida musical. Começou aos seis anos,tocando um pequeno violoncelo (uma viola adaptada para este fim). Recebia as lições de seu pai. No ano seguinte já improvisava melodias sempre baseadas em cantigas de roda. Na casa de Raul tocava-se boa música. Convidava os amigos e realizavam verdadeiros concertos em casa. Nomes conhecidos da época eram assíduos freqüentadores destes saraus. Organizavam grupos de câmara, fazendo-se música até altas horas das noites de sábado.Tal hábito durou anos e teve influência decisiva na formação musical de Villa-Lobos. Cultivou seu gosto musical, conheceu de tudo e acumulou considerável experiência naquela atmosfera.
Todavia, ao invés de aprender a gostar do que já era considerado indiscutivelmente bom, encheu-se de tédio pela inegável semelhança formal da música que se via forçado a ouvir e a executar em seu violoncelo. Seu interesse pôr Bach começou aos oito anos de idade. A explicação é dupla: o garoto estava farto daquela música banal que o atingia pôr todos os lados e queria agarrar-se a algo diferente. Duas coisas pareciam-lhe incomuns: Bach e a música caipira.
Aos 11 anos aprendeu com o pai a tocar clarinete. Conheceu a música nordestina, pois costumava freqüentar como pai a casa de Alberto Brandão, onde se reuniam cantadores e seresteiros nordestinos. A música popular exerceu sempre uma atração em Villa-Lobos. A paixão pela música popular levou-o a aperfeiçoar-se no violão e a estudar com afinco o saxofone e o clarinete, sempre pôr contra própria.
Após longa enfermidade, seu pai faleceu aos 37 anos, deixando sua família numerosa em situação difícil, apesar de trabalhador e bom chefe de família. Era um homem imprevidente, ganhava bem mas gastava tudo, sem controle.
Dona Noêmia ficou em apuros, pois esgotaram-se todos os recursos. Foi obrigada a trabalhar duro para sustentar Tuhu e seus sete irmãos. Mas foi com admirável energia que aquela senhora, acostumada à vida social e ao trivial doméstico, pôs-se a lavar e a engomar guardanapos e toalhas para a "Casa Colombo", hoje a tradicional "Confeitaria Colombo".
Com a morte do pai, em 1899, aconteceu a liberdade para o terrível Tuhu que, imediatamente aproximou-se dos ídolos de sua infância , os "Chorões". Estava com dezesseis anos quando fugiu de casa, fixando-se na casa de sua tia Fifina (ela lhe tocava o "Cravo bem Temperado" de Bach) , a fim de ser mais livre para viver entre os "chorões"e tocar em grupos na noite. Foi um ótimo período para Heitor, que não tardou a aprender a lutar capoeira e a caçar preás com o amigo Zé do Cavaquinho. Era figura obrigatória na sede de "O Cavaquinho de Ouro", na Rua da Carioca, junto a Anacleto de Medeiros e outros chorões.
Mas seu fanatismo pelos músicos do "choro" não o impediu de prosseguir seus estudos no colégio do Mosteiro de São Bento.
A experiência veio com a necessidade de tocar em pequenas orquestras em festas e bailes, exibir-se como concertista de diversos instrumentos em suas viagens, enfim, da miséria e da necessidade que por muitas vezes passou. Era o início de uma vida penosa e boêmia que duraria muitos anos. Tocou no "Teatro Recreio", repertório dos mais variados. Também no cinema "Odeon", em bares, hotéis, cabarés. Sua produção musical desta época limitava-se à valsinhas, dobrados, música popular despretensiosa.
Em 1905, aos 18 anos, resolveu viajar para o Nordeste.Vendeu alguns livros raros deixados pelo pai e viajou, passando pôr Espírito Santo, Bahia e Pernambuco.Extasiou-se com tanta riqueza de folclore. Passou temporadas em engenhos e fazendas. Conheceu as canções dos vaqueiros, os instrumentos primitivos do sertão. No ano seguinte embrenhou-se pelo Sul.
Em 1907, de volta para o Rio de Janeiro atingiu também sua maioridade musical, ao compor sua primeira obra típica, "Os Cantos Sertanejos", para pequena orquestra, onde procurou reproduzir os ambientes musicais regionais. Disposto a ter uma formação acadêmica musical (embora sua mãe ainda insistisse na medicina), Heitor matriculou-se no curso de harmonia de Frederico Nascimento, no Instituto Nacional de Música . Não agüentou mais do que poucos meses e partiu em uma nova viagem pelo Nordeste.
Em sua quarta viagem, a segunda pelo Nordeste , seguindo para o Norte, teve como compainha seu amigo Donizetti, um boêmio incorrigível e bom músico. Foi a compainha ideal para a ousada excursão que duraria três anos. Donizetti, constantemente alcoolizado e Villa-Lobos convencido das pesquisas que realizava. Em cada lugarejo em que chegavam,Villa-lobos tratava logo de arranjar alguns concertos e desintoxicar o amigo. E os dois multiplicavam-se, fazendo números de violoncelo, piano, violão e saxofone. Ganhavam o dinheiro para a sobrevivência e prosseguiam a viagem.
A colheita do material folclórico foi enorme, mas muito se perdeu nas travessias dos rios. Por duas vezes no rio São Francisco sua frágil canoa virou, perdendo toda a bagagem. Mal tiveram tempo de recolherem seus instrumentos, que significavam o pão de cada dia. No rio Solimões aconteceu o mesmo, mas desta vez já tinham experiência: traziam os instrumentos amarrados ao corpo .
Retornando ao Rio, soube que sua mãe fizera rezar uma missa pôr sua alma, imaginando-o morto.
Em 1913 casou-se com a pianista Lucília Guimarães, com quem viveria até 1935. Se no início ela lhe forneceu os segredos da técnica pianística, nos anos 20 ajudava o marido a preparar a obrigatória feijoada dos domingos em seu apartamento em Paris.
1915 foi uma época marcante na vida do mestre; ano de sua apresentação no Rio como compositor, causando críticas violentas pôr suas obras cheias de inovações. Em 1917 e 1918 realizaram-se mais três recitais com suas obras, repetindo-se as críticas.
Villa-Lobos ganhava a vida tocando violoncelo nos teatros e cinemas cariocas. Artur Rubinstein, grande pianista polonês, naturalizado americano, tinha ouvido falar muito sobre Villa-Lobos e conseguiu que amigos o levassem até o cinema Odeon, onde Villa trabalhava em uma orquestra mambembe, tocando nos intervalos e durante os filmes mudos. Após algumas músicas banais, atacaram uma de suas "Danças Africanas"e o grande pianista aproveitou o intervalo para cumprimentá-lo. Mas foi rechaçado violentamente com os seguintes dizeres: "Você é um virtuose e não pode compreeder minha música!".
Após esta desagradável recepção, Rubinstein retirou-se sem dizer nada. Mas no dia seguinte, no hotel onde se hospedava, bateram em sua porta, as oito horas da manhã. Qual não foi a supresa do pianista quando surgiu Villa seríssimo, cercado pôr uma dúzia de músicos. Tocaram várias composições para que Rubinstein ouvisse. Artur Rubinstein foi um dos maiores divulgadores de Villa-Lobos na Europa. Gravou um álbum de discos do mestre e sempre apresentava suas obras em suas tournés mundiais, entre elas o Rudepoema e a Prole do Bebê.
Semana de Arte Moderna - movimento surgido em São Paulo em 1922 quando várias atividades artísticas foram apresentadas no Teatro Municipal de São Paulo. Villa-Lobos foi convidado pelos modernistas a participar e ficou entusiasmado com a proposta, que coincidia com suas idéias. Como todos os participantes, o mestre foi vaiado, principalmente quando em um de seus concertos entrou de casaca e de chinelos, por estar com um dos pés machucado.
Suas obras desta época sofrem influências das técnicas de composição do fim do século francês. O compositor pôs em banho-maria sua vivência juvenil da música popular. Mas não foi Villa-Lobos o único compositor moderno a ser interpretado. A música de Debussy, praticamente desconhecido no Brasil e a de Eric Satie escandalizaram a Paulicéia Desvairada.
Estando conhecido nos meios musicais brasileiro, seus amigos resolveram animá-lo a viajar para a Europa. Por um projeto apresentado na Câmara do Deputados, foi aprovada uma verba para financiar uma viagem a Paris, para divulgar sua obra.
Em 1923 partiu o mestre para a Europa, não para aprender, mas para ensinar e divulgar sua obra, logo se impondo. Em sua estreia em Paris na Salle Gaveau, em 1923, Heitor surpreendeu-se com uma pequena biografia sua em um jornal, escrita pôr Lucie Mardrus. A poetisa francesa, que visitou o compositor no Rio e falava português razoavelmente, pediu-lhe emprestado o livro Viagem ao Brasil, do alemão do século XVII, Hans Staden...e atribuiu a Villa-Lobos as aventuras pelo estrangeiro dois séculos antes!
"No período de 1909 a 1912, nosso músico realizou afinal a sua desejada viagem através das terras ainda habitadas por índios, incorporado a várias missões científicas, principalmente alemãs. Foi assim que pôde observar longamente os seus colegas musicais de tacape, assistir a rituais de feitiçaria.(...) Foi pegado pelos índios e condenado a seu comido moqueado. Prepararam as índias velhas a famosa festa da comilança ( o artigo não diz se ofereceram a Villa a índia mais formosa da maloca) e o coitado, com grande danças, trons de maracás e roncos de japurutus, foi introduzido no local do sacrifício. Embora não tivesse no momento nenhuma vontade pra dançar, a praxe da tribo o obrigou a ir maxixando até o poste de sacrifício. E a indiada apontava pra ele, dizendo: "Lá vem nossa comida pulando!". (Mário de Andrade - 1930)
Villa-Lobos assimilou a "discreta" confusão da francesa mas foi obrigado a responder a uma madame parisiense se ainda comia gente: "No momento, só gosto de crianças, especialmente as francesas, que são as mais tenrinhas..."
Superado os problemas de afirmação, em 1927, Villa já havia impresso 19 obras em Paris. Seu nome já era conhecido no cenário mundial. A partir daí passou a apresentar concertos de suas obras, regendo orquestras importantes da Europa. A partir desta época Villa-Lobos era um nome famoso em Paris. Mas apesar dos sucessos, as dificuldades financeiras não desapareciam e Villa volta para São Paulo, depois para o Rio de Janeiro, para assumir a Superintendência de Educação Musical e Artística.
Em 1930, Heitor regressou ao Brasil, já tendo conquistado Paris. Estourou a revolução e o interventor de São Paulo, João Alberto, convidou-o a organizar um programa de educação musical no Estado. A experiência durou dois anos, findos os quais Heitor retornou ao Rio para assumir a Superintendência de Educação Musical e Artística, com o aval de Getúlio Vargas. Reinou durante todo o Estado Novo como condutor oficial da política de educação musical no país, baseada no coral e canto orfeônico. O resultado deste trabalho foi a criação das chamadas Exortações Cívicas Villa-Lobos, espetáculos que chegaram a reunir até 42 mil vozes, como o realizado no campo do Vasco da Gama, para cantar o Hino Nacional e outras peças cívicas. É verdade que que houve quem não lhe poupasse críticas, acusando-o de fascista, colaborador do Estado Novo e de Getúlio. Mas, de qualquer modo, as Exortações Cívicas foram um sucesso e, já consagrado no exterior, finalmente lançaram-no à glória tardia em sua terra natal.
Mesmo envolvido com o trabalho faraônico de treinar orfeões e professores, Villa não se descuidava de outros projetos. Foi assim que, financiado pôr seu próprio bolso, o bloco carnavalesco Sodade do Cordão saiu em 1940, comemorando os velhos carnavais.
Paralelamente, sua saúde começa a se debilitar. A 7 de setembro de 1941 apareceu com uma hérnia. Em 1948 foi atingido pôr um câncer que lhe consumiu a próstata, a bexiga e o rim, mas não o poder criativo. Foi para os Estados Unidos para tratar-se, mas morreu, aos 72 anos, em 17 de novembro de 1959, no Brasil, país que nunca deixou de amar, mesmo quando nele não foi compreendido.
A OBRA DE VILLA-LOBOS
Villa-Lobos jamais quis pesquisar o folclore cientificamente, à Bela Bartók, pôr exemplo.
Nem sua vastíssima produção nutre-se apenas das manifestações rurais ditas rurais. Em vez disso, nutre-se da linguagem impressionista francesa, Puccini e Wagner; do choro carioca e das formas de música popular urbana do Rio de Janeiro do início do século; e do folclore rural indiciplinadamente assimilado nas viagens da juventude.
Os dezessete quartetos de cordas, as doze sinfonias, os poemas sinfônicos, as nove "Bachianas Brasileiras", os catorze "Choros", os cinco concertos para piano e orquestra, os estudos para o violão, a ópera Yerma, a vasta produção pianística ( grande parte dedicada às crianças) e coral, tudo isso tem pouco em comum. O ritmo talvez seja seu fio estrutural; o gosto pelo contraste, superposição de modos maiores e menores. Sua obra se caracteriza pelo uso original de instrumentos de percussão e de ritmos nacionais. Uma de suas séries mais características é o das Bachianas Brasileiras (1930 - 1944), em número de nove - particularmente popular a de número 5 para soprano e conjunto de violoncelos, e a de número 4 para piano.
Muitas de suas produções se extraviaram, percalços, sem dúvida, de grande riqueza e abundância da obra. No entanto, conhecem-se cerca de mil composições de Villa-Lobos.
Bibliografia
"25 Anos sem Villa-Lobos"- Revista Visão , 19 de novembro de 1984
"Heitor Villa-Lobos: uma antologia" Grandes Mestres da Música - CIA Industrial de Discos.
MIGNONE,Francisco. Música - Blibioteca Educação é Cultura - MEC
Renata
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